segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Dia E


Faltavam dez questões. Mas eu não queria fazer sequer mais uma. Havia sido muitas questões, muito tempo. Meu cérebro já não estava mais funcionando como no inicio. Precisava passar algumas vezes pelo mesmo trecho do enunciado para entender o que ele pedia e mais algumas vezes pelas respostas para achar uma que coubesse na pergunta.
Mas a última coisa que poderia fazer era deixar questões em branco. Essa prova decidiria tudo. As colocações seriam definidas ponto a ponto. A insegurança batia forte. Eu não podia olhar a questão anterior, pois senão refaria uma questão que poderia estar certa, e então erraria. Mesmo se não errasse, perderia tempo.
Cinco já foram. Parecia que as mais difíceis ficaram para o final. Mas provavelmente era o cansaço falando. Os cálculos mais simples agora também precisavam ser feitos no papel. E mais de uma vez, quando o resultado não batia com nenhuma das respostas.
Tentava pensar que se eu fosse bem não precisaria mais passar por aquilo, que seria a última vez. Mas eu já pensara isso antes e aqui estava eu. Voltava para a questão. Mas por que diabos um pai iria fazer um testamento tão complicado? Coisas que só existem em provas...
A questão mais chata chega. A prova de paciência. Marcar o cartão de respostas. Preencher completamente as bolinhas. E não errar. As primeiras vão fácil. Porque realmente não é difícil. Mas depois vai enchendo o saco. A concentração evapora. Um quase erro, dois... E um erro. Atenção redobrada.
A última bolinha marcada. Todos meus músculos relaxaram mesmo eu não os sentindo tensos. Avisei o fiscal e fui guardando o material. Entreguei a prova e fui saindo. Outros também saíam, com expressões semelhantes de alívio. E uma nova angustia começava: A espera pelos resultados.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Prisão


Estava indo a pé para casa, como sempre fazia. Tinha acabado de sair do trabalho e a rua estava abarrotada e barulhenta. Gente demais, carros demais. O final da tarde ainda estava quente e úmido e vento algum soprava. O suor escorria de sua testa enquanto ele tentava inutilmente seca-lo.
Então, ele trombou no ar. Ele podia sentir algo como uma parede invisível bloqueando seu caminho. Não entendeu o que estava acontecendo ali, e se virou para prosseguir com seu caminho. Trombou de novo. Aquilo estava começando a ficar estranho. Mesmo temendo parecer um palhaço, ele começou a tatear tentando achar o fim da parede.
E se acho preso em um cubo de mais ou menos um metro de base por um e noventa de altura. As pessoas começaram a observar. E ele a se desesperar. Começou a passar freneticamente as mãos pelas paredes, gritar para alguém ajuda-lo, esmurrar o ar. E cada vez mais pessoas paravam a sua volta.
Alguém colocou uma caixa ao seu lado e começou-se a jogar dinheiro dentro dela. Ele olhou para aquilo completamente descrente do que estava acontecendo. Tentou falar com as pessoas, mas elas só aplaudiam a cada coisa que fazia. Os minutos passavam lentamente dentro da prisão. Ele não sabia mais o que fazer. A caixa cada vez mais cheia de dinheiro e ele com cada vez menos oxigênio.
Começou a ficar cada vez mais agitado. Tossia como um asmático. A cor se esvaiu de seu rosto. Seus olhos se arregalaram. As pessoas a sua volta cada vez mais animadas. Tinha cada vez menos força para bater nas paredes. Sentou-se no chão. Olhou para cima e caiu deitado.
Os aplausos foram estrondosos. Uma multidão tinha se reunido para assistir àquele espetáculo inesperado. Ficaram aguardando o artista se levantar para poder cumprimentá-lo. Os segundo foram passando e ele não se levantava. As pessoas começaram a ir embora. Uma ou outra começou a se irritar. Até que uma foi até ele.
Mas não havia muito que fazer agora. Ele já estava morto...

sábado, 29 de outubro de 2011

Ritual


Um círculo, cinco retas, cinco elementos e cinco nomes. Ao centro, um homem. Vestido em preto e prata declamava ao mundo uma formula que servia tanto para focar sua vontade quanto para atrair a atenção do universo aos seus desejos. Com as mãos fazia os gestos que complementavam o ritual.
Era um terraço, mergulhado na luz da lua cheia e das poucas estrelas que havia no céu. Não muito grande, mas havia espaço o suficiente. Nos quatro cantos, vasos com pequenas árvores: Aveleira, Azevinho, Carvalho e Salgueiro. Apenas mudas, mas estavam presentes.
O vento soprou um pouco mais forte e limpou as nuvens diáfanas que havia. A lua e as estrelas brilharam mais forte. De algum ponto surgiu o doce cheiro de damas-da-noite. Uma coruja passou piando. E o silêncio mais uma vez tomou conta do mundo.
Um formigamento nas mãos pés e cabeça e havia terminado. O ritual fora concluído. Os devidos agradecimentos foram feitos. O circulo desfeito, mas não quebrado. Agora era a parte mais mundana, arrumar os instrumentos utilizados e se desfazer dos ingredientes consumidos. Isso tomou pouco tempo e ele então entrou na casa.
Todo rito consumia energia, mas esse tinha o deixado exausto. Foi direto ao banheiro. Ligou a água, pegou os sais e entrou na banheira. A água quente relaxava cada músculo que tocava, e os sais neutralizavam qualquer energia indesejável que tivesse sido absorvida. Fechou a torneira e ficou cozinhando lentamente enquanto essa esfriava. Só saiu quando começou a sentir frio. Destapou o ralo e enrolado na toalha foi até o quarto.
Acordou com a pele esfarelando sal. Havia dormido e sonhado com o Sol. Foi direto tirar o sal do corpo. Depois, à mesa, comeu um pedaço de melão. O suficiente apenas para esperar até o almoço. Pegou sua pasta, e saiu.
Quase não pegou engarrafamentos rumo à Universidade. Não havia aula ainda. Era o dia em que seriam anunciados os novos ocupantes dos cargos administrativos. Ele estava há muito tempo esperando pelo Departamento de História Antiga.
Achou uma vaga praticamente na porta do prédio da Reitoria. Cumprimentou animadamente todos por quem passou. E muitos corresponderam ao seu entusiasmo. O auditório era no quinto andar. Não esperou o elevador. Subiu as escadas dois degraus de cada vez.
Chegando lá, sentou-se nas primeiras fileiras e aguardou. Não precisou esperar muito e a nomeação começou. Os cargos mais baixos primeiro. As chefias de departamento seriam quase no final.
Ele pensara que não ficaria nervoso, mas a tensão começou a subir. A sub-reitora anunciava os nomes lentamente e normalmente quem era escolhido já esperava por isso. Chegou à vez do Departamento de História Antiga.
Era dele o cargo.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Reformulação


Para quem acompanhava o Sonhador, deve ter percebido que ele ficou um bom tempo parado. Não é porque eu desisti dele, é que eu estava com outras prioridades e preocupações na cabeça, e não conseguia me organizar para postar regularmente. Agora minhas prioridades mudaram, pois eu tive muitas boas noticias recentemente e estou passando por uma reformulação geral, não só o blog. Entre outras coisas eu estou pensando em tirar pelo menos um dia na semana para digitar e passar a limpo o que ficou acumulado esse tempo, que não é pouca coisa, e com isso poderei voltar a postar regularmente. Outra coisa, que eu não sei se vou conseguir, pois já não depende de mim, é criar outro blog, mas com outro objetivo. Esse seria para externar minhas indignações, questionamentos e opiniões sobre assuntos diversos, da origem dos feriados ao multiverso. Meu último projeto, que não deve sair antes de 2013, é pegar alguns trechos de coisas que já escrevi, contos completos e contos por escrever, reescrever, ampliar, re-reescrever e tentar montar um pequeno livro de contos. Esse já é um sonho antigo, mas acho que agora eu tenho maturidade o suficiente para isso. Mas para que tudo isso ocorra, eu precisaria do apoio de todos, comentando o blog antigo e o novo, se vier a existir, pois só assim eu poderei saber o que eu preciso melhorar e o que eu devo manter.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Fluxo

Para quem por acaso passar por aqui, tem um texto meu postado no blog amigo A Noticia No Divã.
Aqui está o link: http://anoticianodiva.blogspot.com/2011/10/fluxo.html
Boa leitura!

sábado, 28 de maio de 2011

Violência


O tempo estava nublado. Há pouco havia chovido. As nuvens passavam vagarosas, anunciando que talvez à noite o céu fosse ficar limpo. Já era o final da tarde e as pessoas estavam começando o seu trajeto para casa. As ruas se enchiam de gente, carros e sons. E um homem estava se levantando de sua cadeira para ir para casa.
Era uma terça-feira igual a muitas outras que já passaram. Um dia absolutamente banal no trabalho e o homem não queria outra coisa senão estar em casa. Pegou sua pasta, olhou se não estava esquecendo nada e começou a se despedir das poucas pessoas que estavam no escritório. Saiu de lá com a alma leve e a consciência tranqüila. Não deixara nada por fazer.
Pisou na rua com o guarda chuva na mão, mas a chuva já estava longe. Pelo menos não iria se molhar. O ponto de ônibus mais próximo era a dois quarteirões dali e havia poucas marquises. Ele andou despreocupadamente enquanto observava o movimento. Iria pegar uma condução lotada de qualquer jeito. Mas quando viu que o ônibus estava no ponto se apressou.
A dor foi excruciante. Por alguns minutos o mundo virou um poço de piche e ele não sabia onde estava. Só havia a dor. Mas os outros sentidos, tímidos, voltaram e ele percebeu que estava sentado no chão, com o nariz sangrando e com todos olhando para ele. Um homem se distanciava massageando uma mão suja de sangue.
Após ele repetir algumas vezes que estava bem, se levantou com ajuda e limpou o nariz com um lenço lhe deram. Havia perdido o ônibus. Pegou suas coisas e foi para o ponto calmamente e esperou o próximo passar. Pegou-o, chegou em casa, jantou, tomou um banho, viu um pouco de televisão e foi dormir.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Memórias


Era um dia tranquilo na praia. O céu azul se encontrava com o azul do mar quase imperceptivelmente, formando à minha frente uma única imensidão anil. No oceano poucas ondas e na areia poucas pessoas.
O barulho das ondas fazia meus pensamentos navegarem sem rumo no mar das recordações. Eu estava sozinho, mas acompanhado de todos que já passaram pela minha vida. Ao meu redor o presente passava calmo. Dentro de mim o passado fervilhava. E eu estava feliz.
Mas um vento começou a soprar e ele sussurrou em meus ouvidos que tudo iria mudar. Olhei em volta e vi que na divisa do céu com o mar, nuvens começavam a despontar. Nuvens escuras, mas não de tempestade. Elas estavam prenunciando que o meu dia iria acabar mais cedo. Era ainda de manhã e eu não havia aproveitado nada.
A praia foi esvaziando. As pessoas foram percebendo que não havia mais o que usufruir. O mar foi se tornando cada vez mais silencioso e não mais embalava meus pensamentos. As pessoas da minha vida também me abandonaram.
As nuvens foram chegando mais perto e o dia foi desaparecendo. Eu me refugiava em minhas recordações, mas encontrava apenas uma estrada esburacada rumo ao meu nascimento. O meu passado agora era um quebra-cabeça que, além de faltas peças, eu não sabia montar.
E não há mais dia. E não há mais praia. E não há mais passado. Apenas a escuridão e um instante infinito que é menor que o agora, e durará até depois da eternidade.

sábado, 2 de abril de 2011

Dois contos

Guerra

Foi durante uma grande guerra, entre dois reinos esquecidos, que se sucedeu essa história. A guerra começou como pequenas batalhas isoladas, feitas por pequenos senhores que achavam que tinham direito a uma terra que pertencia ao outro reino. Uma simples briga entre vizinhos. As primeiras batalhas eram isso mesmo. Mas elas foram se tornando cada vez mais intensas e envolvendo cada vez mais e mais pessoas. Logo a guerra tomou ambos os reinos por completo. E a guerra se tornou sangrenta.
Ambos os lados lutavam com todos os recursos conhecidos naquela época. De recursos bélicos como catapultas, balistas, lança-chamas e paredes de escudos, como também psicológicos, como tambores ritmados e cruéis execuções públicas de prisioneiros importantes. Os campos de batalha se tornaram grandes planícies de dor e sofrimento.
No meio disso tudo, um dos comandantes foi capturado pelo exercito inimigo. Era um excelente estrategista, e havia causado grandes perdas no lado adversário. Mas nunca havia ordenado nenhuma execução ou perda desnecessária de homens. Lutava ao lado do seu povo, que o considerava um herói. Os rivais o consideravam um algoz, o principal responsável pela perda de soldados.
Por isso, sua captura seria decisiva para o fim da guerra. Ele não poderia morrer como um combatente qualquer. Sua morte deveria ser exemplar. Preparativos, em ambos os lados, deveriam ser feitos. De um lado para resgatar o herói, de outro para executar o algoz.
Mas enquanto isso o comandante teve tempo para observar o inimigo. De sua gaiola, exposta no meio do acampamento dos adversários, via os hábitos dos seus captores. E não viu nenhuma diferença em relação ao seu próprio povo.
Ambos, antes da batalha, se protegiam de todos os meios que conheciam: físicos, místicos e espirituais. E quando voltavam, sentavam ao redor da fogueira para chorar os amigos perdidos e se vangloriar das conquistas feitas.
O comandante via a enfermaria onde o que restava dos guerreiros era socorrido. Membros perdidos ou presos por um filete de carne eram comuns, mas queimaduras e flechas atravessadas pelos locais mais improváveis também apareciam. E todos no acampamento exibiam, às vezes com orgulho, alguma cicatriz.
Os mais graduados, como ele, ficavam em barracas separadas, assistidos por servos, planejando a próxima batalha. Os sacerdotes prestavam um serviço duplo, justificando a guerra e prestando parcos serviços fúnebres. E as poucas mulheres do acampamento prestavam serviços íntimos em troca de pagamento.
Tudo exatamente igual. Então porque os povos não se uniam ao invés de guerrear? As línguas, apesar de diferentes, eram muito parecidas e a maioria da população conhecia ambas as línguas. A religião também não era problema, pois os deuses eram personificações dos mesmos arquétipos, traduzidos para as respectivas línguas. Dinheiro também não era problema, já que ambos os países eram ricos e poderiam usar o dinheiro usado na guerra para resolver os poucos problemas que tinham.
O comandante começou a pensar em suas ordens, nos objetivos que lhe eram passados pelos seus superiores, em como a guerra começou. Tudo era para conquistar territórios novos para exploração dos nobres. E  percebeu que na guerra, não há um sentido. Tudo era resultado de um pensamento ilógico dos governantes. Servia apenas para satisfazer a cobiça daqueles que detinham o poder dos reinos. E ele, um simples comandante, havia sido um cordão que ligava os mestres do reino as marionetes do exército.
No dia da execução, houve uma grande invasão no acampamento para resgatar o amado líder. Centenas morreram na batalha, de ambos os lados. Mas quando chegaram ao centro, encontraram uma gaiola trancada e vazia. Uns disseram que quando viram que a batalha estava perdida, os inimigos o assassinaram e esconderam o corpo, para roubar a glória da vitória. Outros disseram que o comandante conseguiu fugir por conta própria, e voltaria para liderar o reino para a vitória. Uns, mais acertadamente, disseram apenas que  ele ascendeu.
  
Escolha 

Era uma escolha. Mas não uma simples escolha ou uma escolha simples. O que quer que decidisse carregaria as conseqüências para o resto da vida. E o tempo era curto. A cada segundo ficava mais perto o momento em que decidir seria inútil e tudo se perderia. Agora mais do que nunca, ele teria que saber o que ele queria.
No teto do galpão corria uma corda presa a duas roldanas. Em uma ponta, a mulher que lhe deu a vida. Na outra, a mulher da sua vida. E no meio das duas, um mecanismo que lentamente fazia subir uma vela. Se a vela queimasse a corda, as duas cairiam. E ele só poderia salvar uma.
As cordas e o mecanismo eram altos demais para se alcançar do chão. Não havia nada que pudesse ser usado para subir. A altura em que as duas estavam poderia até não ser fatal, mas com certeza causaria grandes danos. Não havia nenhum interruptor para desligar o mecanismo. Não havia coisa alguma para amortecer a queda. E o tempo era uma lebre.
A mãe sempre fora um porto seguro contra todas as tempestades de sua vida. Ela nem sempre falava o que ele queria, mas sempre o que precisava. A esposa era a melhor coisa que poderia ter acontecido com ele. Se entendiam perfeitamente e gostavam de coisas completamente diferentes. Um completava o outro. Quem escolher?
Então, ele tirou o sapato, atirou e apagou a vela. Salvou as duas.

terça-feira, 29 de março de 2011

A casa


Era um velho casarão da época de ouro da cidade e ele já tinha visto dias melhores. Um pedaço do telhado havia apodrecido e caído, e as paredes que um dia foram brancas estavam pretas de mofo e sujeira. As janelas eram buracos que davam em um negro vazio e a grande porta principal estava sempre aberta, como um convite aos corajosos. Todos conheciam aquela casa. E cada um tinha uma história diferente sobre ela.
A história mais contada era a dos primeiros donos da casa. Um casal sem filhos. O marido era o dono da mais importante fábrica da cidade. Um homem severo, que tratava a tudo e a todos da mesma maneira: como os inferiores que eram. A esposa era uma mulher retraída, submissa aos caprichos do marido. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Uma manhã, quando os empregados foram entrar para cuidar dos afazeres domésticos encontraram os dois mortos. Ele enforcado com o barbante do espartilho dela e ela empalada com o abridor de cartas dele. Uns defendem que ela se cansou dos desmandos do marido e o matou e depois vendo o que fizera se matou. Outros que ele suspeitava de traição e a assassinou, depois tirou a própria vida.
Mas essa não era a única história, embora talvez fosse a mais trágica. Depois desse episodio, uma série de acidentes, assassinatos e suicídios ligados direta ou indiretamente ao casarão se sucederam. Alguns, como a queda de uma das árvores da propriedade em cima de um empregado durante uma tempestade,  poderiam ser apenas acontecimentos fortuitos, mas outros, como o uso da casa como câmara de torturas de um serial killer, faziam as pessoas pensar que a propriedade estava amaldiçoada. Isso fez com que ela ficasse abandonada por quase vinte anos e chegado a um péssimo estado de conservação.
Mas a casa fazia parte da história da cidade. Todas as crianças já apostaram quem ia mais longe dentro do terreno, e os adolescentes iam para lá fumar escondidos. Com o tempo o lugar virou um marco para a cidade. Não apenas histórico, mas também popular. Mesmo que nos últimos anos ela tenha virado um abrigo de sem teto, ela ainda guardava um pouco daquela essência de um passado glorioso, ainda que sangrento.
Mas a prorpiedade ficava no centro da cidade, que apesar de tudo, estava crescendo. Então uma construtora comprou o terreno, demoliu a casa e construiu um lote de apartamentos no lugar.

sábado, 19 de março de 2011

Dois dias


Eu fiquei sabendo da noticia em uma manhã. A principio, parecia tão absurda que eu não acreditei. Mas eu fui ouvindo e ouvindo e percebendo que aquilo realmente fazia sentido. Tudo se encaixava. Eu ouvi em primeira mão, em circunstâncias que não convêm explicar aqui. Não havia erro. O que eu não daria por ter uma câmera comigo quando eu ouvi aquela conversa. A internet poderia ter feito todo o serviço. Agora e tinha que ficar procurando por órgãos que pudessem comprovar minha história. A Terra seria destruída em dois dias. E eu era o único que poderia impedir.
Minha primeira reação foi correr para os jornais. A população precisava saber. Liguei para o primeiro e comecei a explicar a situação: o que aconteceria, como eu havia descoberto, o que poderia ser feito... Mas antes de eu conseguir terminar, eu ouvi o clique do telefone sendo desligado. Eu não conseguia entender. Eu tinha provas. Eu poderia levar o jornal até os culpados.  Liguei para outro. A reação foi mais revoltante. No meio da conversa a telefonista não segurou a risada e soltou uma gargalhada que veio direto até atingir o meu orgulho. Dessa vez eu que bati o telefone na cara dela.
O próximo passo foi a polícia. Dessa vez eu fui pessoalmente. Expliquei novamente toda a história para a atendente. Dessa vez ela me encaminhou para um superior. Eu fui confiante que dessa vez eu fora ouvido. O “superior” começou a perguntar sobre a minha vida, como eu havia sido criado, se eu tinha algum trauma de infância... Fiquei revoltado. Eu não estava doido. Mas até eu conseguir ser liberado daquele interrogatório inútil, levou a o resto do dia.
A noite eu só tinha a internet para divulgar minha história. Mesmo sem vídeo, postei no meu blog, no Twitter, no Facebook, e até no Orkut. Todos comentaram. Todos acharam que era uma brincadeira. Eu linkei tudo o que podia estar relacionado a iminente destruição da Terra e mesmo assim não acreditaram em mim. Mesmo com todas as provas que eu tinha bem ali, debaixo dos narizes deles, se recusavam a acreditar que aquilo realmente podia ser verdade. Eu encerrei meu dia derrotado, esgotado e, principalmente, desiludido. Eu havia tentado todos os meios que eu conhecia e nenhum me dera crédito. Não consegui dormir direito. Toda vez que pegava no sono, um sonho de destruição diferente me acordava.
No dia seguinte tomei uma importante resolução, talvez a mais importante da minha vida: Se as pessoas não queriam me ouvir, eu que não falaria mais. Tirei o resto do dia fazendo coisas que talvez eu nunca fizesse em outras circunstancias. Declarei-me apaixonadamente para minha paixão secreta, almocei com um sem-teto no restaurante mais caro da cidade, dancei no meio da rua, visitei um manicômio... Fiz tudo que consegui pensar e fazer em tão pouco tempo. Foi o melhor dia de toda a história.
Mas não foi o último.