segunda-feira, 9 de abril de 2012

Vazio


Era o horário do rush. As ruas estavam engarrafadas e as calçadas também. Era nessa hora em que a expressão “formigueiro humano” fazia mais sentido. Centenas de seres, andando apressados, com um destino certo em mente, só reparando em seus semelhantes quando esbarram entre si. E mesmo assim voltam ao seu trajeto original o mais rápido possível.
E ele, apenas mais um. Não havia o que o diferenciasse da massa. Roupa, cabelos, rosto, olhos. Traço algum sobressaia em meio ao caos que havia diariamente ali. Passava despercebido por todos, preocupados que estavam com os próprios pequenos problemas.
E também não percebia ninguém ao passar. Tinha seu destino e seus pequenos problemas. Ignorava o resto. Seus sentidos funcionavam apenas para evitar ser atropelado, tanto por carros quanto por seres como ele. Estavam amortecidos pelo barulho constante, pelo bombardeamento diário de informações, pelo desinteresse.
Mas algum nível de atenção ainda tinha, pois percebeu algo que ninguém mais havia percebido ao passar por ali. Uma mancha. Mas era mais que uma mancha. Ou melhor, menos. Era nada. Não existia na calçada e não tinha tamanho algum.
Todos que passavam por ali passavam à margem da inexistência. Mas sequer percebiam. Não haviam desviado, o espaço que se distorceu para não levá-los ao abismo. E eles seguiam adiante, e o mundo permanecia lógico e compreensível. Pois o vazio não os afetava.
Ele tentou passar à margem também, mas ao contrario do que acontecia com o resto, o espaço se distorcia para levá-lo de encontro ao que não existia. Mesmo andando na direção contrária, ele ficava mais perto. Só parado que ele não se aproximava. O medo o fez ficar parado. Ele não sabia o que era aquilo. E o desconhecido era atemorizante.
Mas o medo também acordou seus sentidos a muito adormecidos. E ele reparou nas pessoas ao redor. O mesmo efeito que fazia com que elas não se dirigissem a nada fazia com que elas não esbarrassem nele. Ou o ouvissem. Ou o enxergassem. Ele havia desaparecido da face da Terra se alguém se dignasse a procurar.
E o tempo continuou a passar. O rush passou. A rua ficou vazia. E ele ainda parado. O medo ficava cada vez menos forte em meio a outras sensações que começavam a tomar conta: sede, fome, sono... E, conforme o medo diminuía, dava mais espaço a curiosidade. A vontade de conhecer o desconhecido.
Lentamente se aproximou. Não era difícil, já que o vazio parecia puxá-lo. Cada vez mais perto, cada vez mais medo. Lentamente ele se aproximava. Até que chegou a distancia de um braço. Se ele se esticasse já conseguiria alcançar o nada. Ele ficou completamente parado. O medo se equilibrou com a curiosidade.
De perto ele pode observar melhor o vazio. Era um ponto, infinitamente grande, mas ainda sim um simples ponto. Nele continha tudo o que não existia. Não o que era imaginário, que existia na imaginação, mas sim o que realmente não existia. O desconhecido se tornou conhecido.
Era o horário do rush. As ruas estavam engarrafadas e as calçadas também. Era nessa hora em que a expressão “formigueiro humano” fazia mais sentido. Centenas de seres, andando apressados, com um destino certo em mente, só reparando os outros quando esbarram entre si. E mesmo assim voltam ao seu trajeto original o mais rápido possível.
Ele continuou seu caminho. Ele olhava para os lados enquanto andava, observando a diversidade quase infinita de pessoas na cidade. Ouvindo o rugido rouco dos motores e o grito histérico das buzinas. Sentindo o cheiro quente de fumaça e fuligem.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Seis fantasmas


Abro os olhos e vejo as imagens do meu sonho se dissolvendo em instantes na realidade do meu quarto. Os personagens piscam azuis e desaparecem com os dedos em riste na minha direção. A luz branca e forte do sol do meio dia se enfraquece até virar a luz amarelada e tênue do amanhecer.
Estou atrasado, mas não consigo levantar de uma vez só. O corpo não responde. Como um trem saindo da estação, acelero gradativamente. Tomo um banho rápido, um café e saio de casa. Não lembro o que sonhei, só das formas fantasmagóricas que sobreviveram a ele.
Sento na última janela disponível. Mesmo com o sol banhando meu rosto, fecho os olhos. O vento bagunça meu cabelo. Abro os olhos. Sobrevôo a cidade a uma velocidade absurda. Olho apenas para frente, a procura do meu destino e sem me preocupar com o que está atrás de mim. A cidade se expande por todo meu campo de vista, mesmo eu estando bem acima de seus prédios mais altos.
Ao longe, avisto uma mancha verde em meio à vastidão de concreto. Um parque. Ando por aqueles caminhos conhecidos enquanto uma multidão me encara raivosa. O lugar está mais cheio do que todas as vezes que passei por ali. Não reconheço nenhum rosto na multidão, apenas a expressão de ódio é evidente. Passo sem me importar muito com isso em direção aos brinquedos.
Seis crianças que brincavam ali param o que estão fazendo assim que me vêem. Encaram-me. Três casais.  Nenhuma com mais de cinco anos. Nenhuma sorrindo. Nenhuma chorando. E, em seus rostos, nenhum espaço para qualquer um dos dois.
Parado em frente aos brinquedos, um círculo se forma ao meu redor. As crianças a minha frente, impassíveis. A turba ao meu redor, exalando ódio. O tempo parado. Expressões congeladas. Mesmo os pensamentos são vagarosos como se estivessem nadando em melado.
Seis pequenos indicadores apontam em minha direção. O sinal é dado. A horda avança me cercando. Não há para onde fugir. Porque não existe essa possibilidade. Cada vez mais perto. Parado ali, espero apenas um instante para que elas cheguem. E a absorvo. O fluxo é infindável e sinto-me inchar cada vez mais. E mais pesado. E mais denso. E mais tenso. Explodo como um balão quando tudo acaba.    
Acordo um ponto antes de onde desço. Seis figuras fantasmagóricas apontam para mim a partir do sonho e evaporam.