Eu olhei para a água a muitos metros abaixo de mim. Ela estava serena e refletia a luz do sol. Pensava que toda a minha vida culminava nesse ponto, nesse salto. E agora não sabia se teria coragem de saltar. Se eu iria acabar logo com isso. Tudo girava ao meu redor. Eu ouvia apenas a minha respiração entrecortada e as batidas descontroladas do meu coração. Fechei os olhos e saltei.
Desde criança, eu fora uma menina prodígio. Nas minhas primeiras aulas já me destacava dos meus colegas de turma. Fui a primeira da turma a aprender a ler e a escrever. Nos primeiros anos do ensino fundamental, só tirava a nota máxima. Eu impressionava tanto os meus pais quanto os professores.
Mas foi quando comecei a treinar que me descobri. Com dez anos, eu era a melhor da equipe e começava as minhas primeiras competições. Sempre levava para casa alguma medalha. Sentia a inveja nos olhos das outras crianças e o despeito nos olhos das outras mães. Eu era o centro das atenções. E estava deslumbrada.
Este deslumbramento foi a minha perdição. Passei a cada vez mais querer chamar a atenção. Fosse nos treinos, fosse na escola. Esforçava-me além do necessário e até além do possível para conseguir as melhores notas, independente de onde fosse. E quando não conseguia o primeiro lugar, mesmo que por pouco, eu me sentia completamente desconsolada. Porque sabia que eu era a melhor.
Passei a me afastar dos meus verdadeiros amigos, os que tentavam me tirar do redemoinho de vaidade em que estava me afogando. Cerquei-me de bajuladores, que apenas me elogiavam sem me apoiar realmente, muito menos me ajudar. A minha família tentava ao mesmo tempo me felicitar por minhas conquistas e botar juízo na minha cabeça. Falhava nas duas tentativas.
Com o tempo, fui percebendo que estava solitária, perdida em meu orgulho. E em vez de tentar recuperar o que tinha antes, passei a me exigir cada vez mais, pois se impressionasse os outros o bastante, talvez não ficasse mais sozinha. Propunha-me metas cada vez mais absurdas, ia desrespeitando todos os limites da sanidade. Pressionava-me para ser perfeita em tudo, e nem sempre conseguia. Essa pressão me trouxe a este momento.
A água se aproximava rapidamente de mim. Parei de pensar. Apenas me movimentava delicadamente, como havia feito tantas vezes antes no treino. Não errei um detalhe sequer. Atingi a água com o mínimo de impacto possível. Ao voltar a superfície eu ouvi os aplausos. E quando a nota saiu, sabia que tinha vencido. Que tinha conseguido. Eu tinha sido perfeita.
Estava sentindo falta de seus textos. Havia até mesmo deixado de aparecer por aqui. Este último foi surpreendente. Gostei!
ResponderExcluirUau!!! Um belo mergulho, e nem adianta se metamorfosear! Fico orgulhoso de você, Grego, tanto pelo mergulho como pela narrativa dele. Mas, nesse momento, devo dizer que o mergulho me emociona mais. Beijo grande, Paulo
ResponderExcluirGostei. =)
ResponderExcluirDefine a perfeição... Coisa que eu nunca consigo.
Gostei demais da surpresa que o texto me proporcionou. Parabéns!!!
ResponderExcluirMassa!!!
ResponderExcluirIncrível! Gostei desse final!Esperava a derrota definitiva e aconteceu a vitória. No entanto,o que a vitória representa?
ResponderExcluir