domingo, 10 de outubro de 2010

O Mergulho do Cisne

Eu olhei para a água a muitos metros abaixo de mim. Ela estava serena e refletia a luz do sol. Pensava que toda a minha vida culminava nesse ponto, nesse salto. E agora não sabia se teria coragem de saltar. Se eu iria acabar logo com isso. Tudo girava ao meu redor. Eu ouvia apenas a minha respiração entrecortada e as batidas descontroladas do meu coração. Fechei os olhos e saltei.
Desde criança, eu fora uma menina prodígio. Nas minhas primeiras aulas já me destacava dos meus colegas de turma. Fui a primeira da turma a aprender a ler e a escrever. Nos primeiros anos do ensino fundamental, só tirava a nota máxima. Eu impressionava tanto os meus pais quanto os professores.
Mas foi quando comecei a treinar que me descobri. Com dez anos, eu era a melhor da equipe e começava as minhas primeiras competições. Sempre levava para casa alguma medalha. Sentia a inveja nos olhos das outras crianças e o despeito nos olhos das outras mães. Eu era o centro das atenções. E estava deslumbrada.
Este deslumbramento foi a minha perdição. Passei a cada vez mais querer chamar a atenção. Fosse nos treinos, fosse na escola. Esforçava-me além do necessário e até além do possível para conseguir as melhores notas, independente de onde fosse. E quando não conseguia o primeiro lugar, mesmo que por pouco, eu me sentia completamente desconsolada. Porque sabia que eu era a melhor.
Passei a me afastar dos meus verdadeiros amigos, os que tentavam me tirar do redemoinho de vaidade em que estava me afogando. Cerquei-me de bajuladores, que apenas me elogiavam sem me apoiar realmente, muito menos me ajudar. A minha família tentava ao mesmo tempo me felicitar por minhas conquistas e botar juízo na minha cabeça. Falhava nas duas tentativas.
Com o tempo, fui percebendo que estava solitária, perdida em meu orgulho. E em vez de tentar recuperar o que tinha antes, passei a me exigir cada vez mais, pois se impressionasse os outros o bastante, talvez não ficasse mais sozinha. Propunha-me metas cada vez mais absurdas, ia desrespeitando todos os limites da sanidade. Pressionava-me para ser perfeita em tudo, e nem sempre conseguia. Essa pressão me trouxe a este momento.
A água se aproximava rapidamente de mim. Parei de pensar. Apenas me movimentava delicadamente, como havia feito tantas vezes antes no treino. Não errei um detalhe sequer. Atingi a água com o mínimo de impacto possível. Ao voltar a superfície eu ouvi os aplausos. E quando a nota saiu, sabia que tinha vencido. Que tinha conseguido. Eu tinha sido perfeita.

6 comentários:

  1. Estava sentindo falta de seus textos. Havia até mesmo deixado de aparecer por aqui. Este último foi surpreendente. Gostei!

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  2. Uau!!! Um belo mergulho, e nem adianta se metamorfosear! Fico orgulhoso de você, Grego, tanto pelo mergulho como pela narrativa dele. Mas, nesse momento, devo dizer que o mergulho me emociona mais. Beijo grande, Paulo

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  3. Gostei. =)
    Define a perfeição... Coisa que eu nunca consigo.

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  4. Gostei demais da surpresa que o texto me proporcionou. Parabéns!!!

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  5. Incrível! Gostei desse final!Esperava a derrota definitiva e aconteceu a vitória. No entanto,o que a vitória representa?

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