Abro os olhos e vejo as imagens do meu sonho se dissolvendo
em instantes na realidade do meu quarto. Os personagens piscam azuis e
desaparecem com os dedos em riste na minha direção. A luz branca e forte do sol
do meio dia se enfraquece até virar a luz amarelada e tênue do amanhecer.
Estou atrasado, mas não consigo levantar de uma vez só. O
corpo não responde. Como um trem saindo da estação, acelero gradativamente.
Tomo um banho rápido, um café e saio de casa. Não lembro o que sonhei, só das
formas fantasmagóricas que sobreviveram a ele.
Sento na última janela disponível. Mesmo com o sol banhando
meu rosto, fecho os olhos. O vento bagunça meu cabelo. Abro os olhos. Sobrevôo
a cidade a uma velocidade absurda. Olho apenas para frente, a procura do meu
destino e sem me preocupar com o que está atrás de mim. A cidade se expande por
todo meu campo de vista, mesmo eu estando bem acima de seus prédios mais altos.
Ao longe, avisto uma mancha verde em meio à vastidão de
concreto. Um parque. Ando por aqueles caminhos conhecidos enquanto uma multidão
me encara raivosa. O lugar está mais cheio do que todas as vezes que passei por
ali. Não reconheço nenhum rosto na multidão, apenas a expressão de ódio é
evidente. Passo sem me importar muito com isso em direção aos brinquedos.
Seis crianças que brincavam ali param o que estão fazendo
assim que me vêem. Encaram-me. Três casais.
Nenhuma com mais de cinco anos. Nenhuma sorrindo. Nenhuma chorando. E,
em seus rostos, nenhum espaço para qualquer um dos dois.
Parado em frente aos brinquedos, um círculo se forma ao meu
redor. As crianças a minha frente, impassíveis. A turba ao meu redor, exalando
ódio. O tempo parado. Expressões congeladas. Mesmo os pensamentos são vagarosos
como se estivessem nadando em melado.
Seis pequenos indicadores apontam em minha direção. O sinal
é dado. A horda avança me cercando. Não há para onde fugir. Porque não existe
essa possibilidade. Cada vez mais perto. Parado ali, espero apenas um instante
para que elas cheguem. E a absorvo. O fluxo é infindável e sinto-me inchar cada
vez mais. E mais pesado. E mais denso. E mais tenso. Explodo como um balão
quando tudo acaba.
Acordo um ponto antes de onde desço. Seis figuras
fantasmagóricas apontam para mim a partir do sonho e evaporam.
Meu coração ainda está disparado...
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