sábado, 18 de setembro de 2010

Presença

Marcos olhou para trás. Não havia ninguém naquela rua deserta. Só ele e seus pensamentos. Continuou andando. Era um longo caminho para casa, mas era algum exercício em uma vida sedentária. Além do mais, era uma boa desacelerada. Dava tempo de limpar a mente do dia de trabalho.
O céu estava limpo e sem estrelas. A lua, cheia, fazia os postes de iluminação serem desnecessários. Uma leve brisa soprava, levando longe o cheiro de lixo de um caminhão que passava. Um arrepio passou pelas costas de Marcos. Ele olhou para trás de novo. Devia estar imaginando coisas, pois podia jurar que tinha alguém ali.
Já havia passado muito da meia-noite e todas as lojas estavam fechadas. Os manequins nas vitrines pareciam ganhar vida à meia luz. Na rua, não passava um carro. As calçadas, esburacadas, pregavam peças nos pés que passavam distraídos. Mas Marcos não estava distraído. Os olhos e ouvidos estavam no máximo grau de atenção. Atentos ao mínimo movimento.
Só que nada se movia. Apenas Marcos. Que sentia uma presença cada vez mais forte. Agora ele olhava para trás a cada passo. Mas isso não mudava o fato dele estar sozinho. Ele sabia racionalmente que não havia com o que se preocupar. Mas a mente não é só racional. Há os instintos. E, nesse momento, todos gritavam: PERIGO!!!
Ele passou a andar mais rápido. Quase corria pelo caminho tão conhecido em direção à segurança. Ele não olhava mais para trás, só olhava para frente para não tropeçar. Os únicos barulhos que se ouvia eram seus passos desesperados e sua respiração ofegante, mas ele sentia que havia algo mais.
Finalmente chegou em casa. Não conseguia achar o buraco da chave, mesmo com toda a luz da lua. Quando achou, entrou correndo e trancou a porta. A sensação só aumentava. Ele a sentia apertando seu peito ao ponto de não conseguir mais respirar. Sentia a vista escurecendo. Correu para o quarto e se enfiou, com roupa e tudo, embaixo das cobertas.
Os segundos transcorriam lentamente. Marcos ficou ali, sobrepujado por aquela presença aterradora que ele não sabia de onde vinha. O sono era a ultima opção que tinha. Mas não ele chegava. Ele ouvia o pingar de uma torneira, o vento balançando levemente as folhas de um árvore, o pio distante de um pássaro. E depois do que pareceu uma eternidade, ele dormiu.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A Dor

Tudo começou com um pequeno incômodo intermitente no lado direito da cabeça. Um pequeno ponto de pressão. Algo natural e que só havia a espera para resolver. Ele continuou a trabalhar normalmente. Era mais um dia comum e chato na empresa em que a única coisa que realmente importava era a hora do almoço, a qual, para variar, não chegava.
O trabalho transcorria lentamente. Os dados não apresentavam nenhuma incongruência e ele ia organizando as tabelas da apresentação de amanhã. Quem iria apresentar os gráficos era o chefe, mas quem teria que montá-los era ele, que apenas sonhava com uma promoção que nunca chegaria.
O incômodo aumentava lentamente. Agora era contínuo e o ponto de pressão não era mais um ponto, e sim uma pequena área, localizada na parte posterior direita da cabeça, e que pulsava ao ritmo dos batimentos cardíacos. Ele começou a pensar em tomar alguma coisa, antes que o trabalho saísse prejudicado, mas teria que esperar até o intervalo já que não tinha nenhum remédio com ele.
Na hora do almoço, ele correu para a farmácia para comprar o seu remédio. Não era a primeira vez que tinha esse problema, então já sabia exatamente o que funcionava. Após a compra, foi comer tranqüilo. Dirigiu-se a um restaurante japonês que tinha ao lado do trabalho e pediu o de sempre, o combinado número dois, e um suco de laranja para tomar com o remédio.
O medicamento não ajudou em nada. A área de pressão, agora, atingia todo o lado direito da cabeça e cada pulsação era uma pontada de dor. Ela também afetava a parte de trás dos olhos, que os fazia arder e lacrimejar. A dor nunca tinha chegado nesse ponto depois de tomado o remédio e justo hoje ele não podia sair mais cedo. Tinha que fazer o trabalho, pois a apresentação seria amanhã.
Mesmo com a dor crescendo, lutou bravamente com os números. Apesar de o trabalho continuar fluindo, o humor dele foi todo tragado pela enxaqueca. Qualquer pessoa que ia falar com ele recebia como resposta um grunhido e uma ordem de não incomodar. Depois de algum tempo as pessoas pararam de atrapalhar e ele conseguiu acabar a apresentação.
A dor alcançou o ponto crítico. Todo o lado direito doía e pulsava como se tivesse uma marreta batendo repetidamente nele. Os olhos pareciam duas brasas com um prego perfurando-os por trás. A dor era tão grande que ele começou a ficar enjoado. Não havia a mínima condição de ele dirigir. Pediu à esposa que o buscasse.
Durante a viagem de carro, não falou uma palavra e cada vez que a esposa tentava falar, grunhia como um porco. Os barulhos do trânsito entravam pela cabeça dele e faziam lagrimas saírem por seus olhos. Ele ficou encolhido no banco do carro, querendo apenas que a dor parasse.
A luz agora passara a incomodar. O barulho passara a ser uma tortura. Ele sentia que ia vomitar a qualquer momento e a cabeça dele não mais existia, era apenas uma grande bola de dor e sofrimento. O tráfego estava ruim e ele pensava se não seria melhor morrer logo de uma vez ao invés de sentir aquela dor.
Quando chegou finalmente em casa, correu para o quarto. Fechou a janela e apagou a luz. Deitou na cama e ficou ali todo encolhido. Cada vez que ouvia um barulho mais forte que um alfinete caindo no chão, sua careta de dor piorava. E cada vez que sua querida esposa abria a porta para ver se estava bem, berrava de dor como um animal ferido.
Agora não havia mais pulsação e não importava mais se havia barulho ou luz. Não havia variação na intensidade da dor, ela era absoluta e tinha, há muito, passado do limite do insuportável. Então fez a única coisa que ainda não tinha tentado. Ele fugiu. Saiu correndo do quarto, tomou a rua e fugiu.
Quem o viu, apesar de sua forma e aparência, nunca diria que aquilo era um humano, tamanha a selvageria. Escondeu-se da luz e do barulho, mas não conseguiu se esconder da dor. E a dor o consumiu por completo.

sábado, 4 de setembro de 2010

Máscaras

Ele estava a caráter, como pedia o convite. Um terno grafite, de risca de giz, uma camisa branca frisada, uma gravata vinho de seda e uma máscara. A máscara era bem simples, completamente branca, cobrindo o rosto inteiro, presa por uma fita e com uma expressão sorridente.
Como tinha pouca gente, ele se sentia muito desconfortável. Ainda não havia a cômoda multidão na qual se esconder. As pessoas presentes estavam com amigos e ele não conhecia ninguém. O bar também não estava cheio, mas lá ele, pelo menos, sentia-se menos patético. Pediu um drinque e ficou sentado, esperando a festa encher.
Conforme passava o tempo, a pista de dança foi ficando mais cheia e ele foi ganhando confiança. Pediu mais um drinque e foi dançar. Havia vários grupos de pessoas dançando, e ele não fazia parte de nenhum. Apenas ficava andando de um lado para o outro ao ritmo da música. Não estava se divertindo nem um pouco.
A casa estava cheia agora. Não havia muito espaço para se movimentar entre os rostos mascarados. Todos estavam dançando, bebendo, conversando, flertando. Menos ele. Resolveu tomar mais um drinque. O bar estava cheio, todos os bancos estavam ocupados por máscaras mais ou menos tortas. Sentiu-se ainda pior, pois nem tonto estava.
Junto com o drinque veio uma resolução. Se divertir. Não havia ninguém conhecido, estava de máscara, era uma festa. Ajeitou a máscara e voltou para a pista de dança. Dançava muito bem e com vontade, apesar de tudo. E logo se tornou quem mais chamava atenção na pista.
E se formou um grupo ao seu redor. As pessoas começaram a dançar com ele, a falar com ele. Não sabia se era bom ou ruim, pois cada vez que alguém vinha lhe falar, ele suava, balbuciava alguma resposta e continuava a dançar. Mas, mesmo com o suor, a máscara não escorregava. Ele precisava de mais um drinque.
Quando voltou à pista, o grupo já estava formado e foi só entrar. Algumas pessoas tinham saído e outras entrado, mas ninguém o rejeitou. A música estava mais animada agora e ele voltou a dançar. As pessoas voltaram a tentar falar com ele e, com dificuldade, ele respondia. As respostas vinham mais soltas agora, efeito do álcool.
O tempo foi passando, a contagem de drinques aumentando e a conversa melhorando. Agora se apresentava, puxava assunto, dava cantadas. Ele foi se tornando o centro da festa. Ninguém o conhecia e nem se lembrava de quando ele tinha chegado, só que era divertido e dançava como ninguém.
A festa atingiu o ápice e ele passou. Ele já estava sem terno e sem gravata. A pista de dança minguando, o bar esvaziando e a hora de ir embora chegando. Ele pegou suas coisas e foi saindo. Tentou tirar a máscara que lhe cobria o rosto. Não a achou. E foi para casa com um rosto branco e sorridente.