Guerra
Foi durante uma grande guerra, entre dois reinos esquecidos, que se sucedeu essa história. A guerra começou como pequenas batalhas isoladas, feitas por pequenos senhores que achavam que tinham direito a uma terra que pertencia ao outro reino. Uma simples briga entre vizinhos. As primeiras batalhas eram isso mesmo. Mas elas foram se tornando cada vez mais intensas e envolvendo cada vez mais e mais pessoas. Logo a guerra tomou ambos os reinos por completo. E a guerra se tornou sangrenta.
Ambos os lados lutavam com todos os recursos conhecidos naquela época. De recursos bélicos como catapultas, balistas, lança-chamas e paredes de escudos, como também psicológicos, como tambores ritmados e cruéis execuções públicas de prisioneiros importantes. Os campos de batalha se tornaram grandes planícies de dor e sofrimento.
No meio disso tudo, um dos comandantes foi capturado pelo exercito inimigo. Era um excelente estrategista, e havia causado grandes perdas no lado adversário. Mas nunca havia ordenado nenhuma execução ou perda desnecessária de homens. Lutava ao lado do seu povo, que o considerava um herói. Os rivais o consideravam um algoz, o principal responsável pela perda de soldados.
Por isso, sua captura seria decisiva para o fim da guerra. Ele não poderia morrer como um combatente qualquer. Sua morte deveria ser exemplar. Preparativos, em ambos os lados, deveriam ser feitos. De um lado para resgatar o herói, de outro para executar o algoz.
Mas enquanto isso o comandante teve tempo para observar o inimigo. De sua gaiola, exposta no meio do acampamento dos adversários, via os hábitos dos seus captores. E não viu nenhuma diferença em relação ao seu próprio povo.
Ambos, antes da batalha, se protegiam de todos os meios que conheciam: físicos, místicos e espirituais. E quando voltavam, sentavam ao redor da fogueira para chorar os amigos perdidos e se vangloriar das conquistas feitas.
O comandante via a enfermaria onde o que restava dos guerreiros era socorrido. Membros perdidos ou presos por um filete de carne eram comuns, mas queimaduras e flechas atravessadas pelos locais mais improváveis também apareciam. E todos no acampamento exibiam, às vezes com orgulho, alguma cicatriz.
Os mais graduados, como ele, ficavam em barracas separadas, assistidos por servos, planejando a próxima batalha. Os sacerdotes prestavam um serviço duplo, justificando a guerra e prestando parcos serviços fúnebres. E as poucas mulheres do acampamento prestavam serviços íntimos em troca de pagamento.
Tudo exatamente igual. Então porque os povos não se uniam ao invés de guerrear? As línguas, apesar de diferentes, eram muito parecidas e a maioria da população conhecia ambas as línguas. A religião também não era problema, pois os deuses eram personificações dos mesmos arquétipos, traduzidos para as respectivas línguas. Dinheiro também não era problema, já que ambos os países eram ricos e poderiam usar o dinheiro usado na guerra para resolver os poucos problemas que tinham.
O comandante começou a pensar em suas ordens, nos objetivos que lhe eram passados pelos seus superiores, em como a guerra começou. Tudo era para conquistar territórios novos para exploração dos nobres. E percebeu que na guerra, não há um sentido. Tudo era resultado de um pensamento ilógico dos governantes. Servia apenas para satisfazer a cobiça daqueles que detinham o poder dos reinos. E ele, um simples comandante, havia sido um cordão que ligava os mestres do reino as marionetes do exército.
No dia da execução, houve uma grande invasão no acampamento para resgatar o amado líder. Centenas morreram na batalha, de ambos os lados. Mas quando chegaram ao centro, encontraram uma gaiola trancada e vazia. Uns disseram que quando viram que a batalha estava perdida, os inimigos o assassinaram e esconderam o corpo, para roubar a glória da vitória. Outros disseram que o comandante conseguiu fugir por conta própria, e voltaria para liderar o reino para a vitória. Uns, mais acertadamente, disseram apenas que ele ascendeu.
Escolha
Era uma escolha. Mas não uma simples escolha ou uma escolha simples. O que quer que decidisse carregaria as conseqüências para o resto da vida. E o tempo era curto. A cada segundo ficava mais perto o momento em que decidir seria inútil e tudo se perderia. Agora mais do que nunca, ele teria que saber o que ele queria.
No teto do galpão corria uma corda presa a duas roldanas. Em uma ponta, a mulher que lhe deu a vida. Na outra, a mulher da sua vida. E no meio das duas, um mecanismo que lentamente fazia subir uma vela. Se a vela queimasse a corda, as duas cairiam. E ele só poderia salvar uma.
As cordas e o mecanismo eram altos demais para se alcançar do chão. Não havia nada que pudesse ser usado para subir. A altura em que as duas estavam poderia até não ser fatal, mas com certeza causaria grandes danos. Não havia nenhum interruptor para desligar o mecanismo. Não havia coisa alguma para amortecer a queda. E o tempo era uma lebre.
A mãe sempre fora um porto seguro contra todas as tempestades de sua vida. Ela nem sempre falava o que ele queria, mas sempre o que precisava. A esposa era a melhor coisa que poderia ter acontecido com ele. Se entendiam perfeitamente e gostavam de coisas completamente diferentes. Um completava o outro. Quem escolher?
Então, ele tirou o sapato, atirou e apagou a vela. Salvou as duas.